domingo, 26 de setembro de 2010

O OFICÍO DO ARTISTA

A decisão de ir a uma sessão nobre da Premiere Brasil significa encarar todos os riscos embutidos no conceito. Grades, seguranças, tapetes vermelhos, câmeras, e uma pequena multidão no esforço de se fingir à vontade com isso tudo. É difícil a vida de artista.

Mais ainda daqueles que tentam ser.

O taxista estranha. “Odeon no sábado à noite? O senhor tem certeza?” Eu: Mais ou menos. Mas as centenas de pessoas que se aboletam na fila exclusiva para convidados parecem mais convictas. O travesti maltrapilho da Cinelândia e os bêbados de última hora se irritam com a invasão do espaço deles. Praguejam contra aquela tropa jovem bem vestida e descolada. Mal sabem eles que a maior parte daquela gente fina, elegante e ligeiramente sincera está ali por dever de ofício. São amigos da cenógrafa, colegas do maquiador, parceiros do trilheiro. Numa platéia ligada por uma corrente de afeto, a palavra de ordem é prestigiar. E torcer para também ser levemente contaminado por esse prestígio. É um pouco por isso que estou naquela fila. Mas como sempre fui muito incompetente nessa função, descubro tardiamente que sem nome na lista ninguém entra. Ou seja, corro o sério risco de me juntar à tropa dos bêbados e do travesti. Por um fio, os amigos me rebatizam com o nome de alguém bem quisto, e eu adentro a porteira dos sorrisos. “Seja bem vindo e boa sessão, Miguel.”

É uma sessão de filmes da Cavídeo, e o anfitrião da noite, Cavi Borges, dá o tom da festa em um discurso emocionado. “Cinema não é sobre dinheiro, mas sobre amizade.” Minhas contas pendentes no banco e meu nome no Serasa endossam a primeira parte do raciocínio. Os olhos marejados de boa parte da platéia confirmam a segunda.

Preâmbulo perfeito para o longa que vem a seguir. Riscado é sobre uma atriz que faz de tudo para conseguir simplesmente ser atriz. Sincero, delicado, sem medo de expor suas fragilidades, o filme tocou fundo naquela tropa de espectadores. Esse pêndulo incessante entre esperança e desencanto é muito familiar para todos nós. Saí do filme matutando se isso era só coisa pra artista ou aspirante ao ofício. Minha mulher e uma querida amiga  (atriz) desqualificaram minha dúvida. “Essa insistência amorosa pelo que se quer fazer é (ou devia ser) a razão de vida de todo mundo. Uma curiosidade absurda pelo nosso próprio desejo. Uma vontade de saber onde é que isso vai dar. É isso que move a gente. Tanto faz se é no palco, no set, na fábrica ou na repartição.” Acho que elas têm razão. Segunda-feira vou ter essa conversa com meu gerente de banco.


Aurélio Aragão

2 comentários:

  1. Adoro blogs com críticas, opniões e pensamentos
    beijos e
    boa sorte
    Celene

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  2. Celene, adoro beijos e pensamentos de boa sorte. E sorte, minha cara, é do que mais peço aqui. Ou não!

    brigadim e intés!

    Lobo Mauro

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