segunda-feira, 27 de setembro de 2010

AOS 45

Meu velho sempre dizia que em matéria de Botafogo é sempre bom esperar o apito final. Sinto às vezes que isso também vale para o cinema. Hoje foi dia de comprovar as duas teses.

É preciso um árduo trabalho de auto-convencimento para sair de casa às 14h, numa tarde que conjuga chuva e ressaca. Ainda mais quando a ressaca além de física é também moral. Mas a vontade de encontrar os comparsas e assistir ao filme da amiga Andrea Capella valem o esforço.

Mas ninguém sai de casa para assistir a um filme sobre o Mario Filho sem que algo de extraordinário aconteça. Ao mitômano, o mito. E ele aparece cercado de louras esculturais e morenas rebolativas. Caminhando na minha direção, lembra Henry Fonda em direção a câmera na lembrança dolorosa de Charles Bronson em “Era uma vez no Oeste”. Baixo, tranqüilo e marrento. Ele anda com as pernas levemente arqueadas e de um jeitão meio displicente. Um andar chato. Quando enfim tirei os olhos da loura que acompanhava a comitiva, pude reconhecer que quem sentaria no melhor galeto da Tijuca era ninguém menos que Romário. Às tardes de domingo para o outrora gênio na pequena área é dedicado a um outro tipo de corpo a corpo.

Mas o tempo urge. A pouca empolgação do amigo trilheiro diante do mito que acabara de sentar a minha frente me obriga a seguir em frente. Precisava cumprir minha rotina diária de atrasos. Cheguei a tempo de pegar os minutos finais de “Instantâneos”. Pensativo diante do belo registro do fotógrafo errante da Lapa, pergunto ao amigo do lado: “O Gaúcho está na sessão?”. “Morreu há alguns meses”. Resta o consolo de ter sido registrado uma vez pela elegante figura.

A projeção do longa sobre Mario Filho decepciona. O recurso da autoridade não revela o Mario Filho mais interessante. Um João Havelange protocolar, um Sergio Cabral despojado (Ufa! Dessa vez não teve Nelson Motta!), o documentário transita trôpego entre um registro mais livre num esboço ensaístico e um relato historicizante. No meio de tudo, não consegue ser nada. Resta o enfado de um narrador sublinha desnecessariamente a dramaticidade do texto de Mario Filho. As imagens de arquivo revelam um Luxemburgo aguerrido, um Leônidas envelhecido e um Mazaropi azarado. Mas ao final da projeção, o imponderável. Num depoimento histórico do neto, se revela um Mario Filho que o filme deixou de lado. Um Mario Filho que estava latente na fala de Carlos Heitor Cony, mas que era sempre recolocado a sua condição de Gilberto Freyre do esporte Bretão. Uma pena. Tivesse o filme descoberto que o personagem acontece nessas entrelinhas, teríamos um belo filme. Aos 45 minutos, uma luz no fim do túnel, breve, mas intensa.

Filme devidamente debatido, argumentos expostos, os amigos vão aos poucos deixando o bar onde se sentaram para decidir, entre outras coisas, o nome deste blog. Uma incômoda sensação de que deixei o gás ligado não me deixa relaxar. Não posso explodir a minha residência com tão pouco tempo. Mas o amigo, que me dera a triste notícia do falecimento do Gaúcho espera o momento certo para desferir um golpe final. “Quer ver você parar de pensar no gás do banheiro? O Atlético-PR acabou de empatar com o Botafogo.” Incrédulo fui ao bar do lado e me certifiquei da tragédia. Aos 45, a estrela solitária já não brilha tão intensamente. Ao menos a vizinha de baixo pôde fazer o seu chá de carqueja sem explodir a vizinhança.

Roberto Souza Leão

5 comentários:

  1. Olá!
    Parabéns pelo Blog,Mauro e equipe!!
    Moro na Tijuca e adorei a crônica do
    Roberto!!
    Bjs,
    Enercy

    ResponderExcluir
  2. Grande Enercy! Valeu. E o Roberto agora abandonou Niterói pra virar tijucano. Mas, mesmo assim, pra ir ao fesitval, ele tem que matar um Souza Leão por dia!

    (Lobo Mauro)

    ResponderExcluir
  3. Andréa de Freitas Machado27 de setembro de 2010 às 20:20

    Preciso repetir que adoro os textos de Souza Leão? Sim, preciso. Não é todo mundo que consegue conjugar crítica contudente e paixão de forma tão singela, nunca é demais ler uma crônica bem escrita e com conteúdo. Mas nem sempre o ponto final é seguido de um sorrisinho de canto de boca. Com o Roberto, o sorriso, o friozinho no estômago e uma boa dose de contrariedade são garantidos.

    ResponderExcluir
  4. A Dea sempre compartilha os augúrios e as delícias de ser botafoguense comigo. Nesta fauna de Robalos e Lobos, o Leão ruge, mas com ternura, afinal de contas o que vale mesmo é a galhofa.

    Roberto Souza Leão

    ResponderExcluir
  5. Meu amigo
    Como você escreve bem! Adoro te ler! Um talento. Pena que não sabe escolher time.
    Voltarei aqui.
    Adorei a ideia e vou acompanhar porque tenho certeza de que daqui só sairá coisa boa.
    Beijo enorme

    ResponderExcluir