segunda-feira, 27 de setembro de 2010

NÃO TEM NEM CRÍTICA

Não durmo há três dias. Os caninos do meu filho de um ano estão nascendo e parece que, por serem os caninos, o menino está voltando ao estado de natureza. Tenho sacrificado o meu ombro para ele roer e assim se acalmar. Pensei que uma ótima desculpa para tentar salvar o que resta do meu ombro direito seria assistir a um filme no festival. Passei a fera para a mãe e me larguei para o cinema a esmo. É óbvio que não encontrei ingresso para nenhuma sessão. No meio daquele desamparo terrível dos sem ingresso, espécie de limbo cinematográfico, me lembrei da peça de um amigo no espaço SESC Copacabana. Cheguei em cima da hora e, claro, também não tinha ingresso: um ônibus, vinte minutos e lá estava eu de volta ao purgatório. Como a peça era de um amigo, antes que o segurança me agarrasse, consegui chegar à porta e forçar a minha entrada.
Eis a pegada, meu primeiro texto não falará do festival, mas de uma peça de teatro, privilégio de nossa cobertura errática. O maior problema do teatro é que, ao contrário do cinema, não se pode tirar um cochilo, o que no meu caso era um problema muito sério.
Mas vamos lá, a peça chama-se NAOTEMNEMNOME e a realização é da Cia das Inutilezas e Pangéia Cia. Pelo nome da peça começava a desconfiar que o purgatório me perseguia como naqueles pesadelos em que não conseguimos sair do lugar. Impressão desmentida na entrada. Uma sala aconchegante com os atores recebendo o público como se recebem velhos amigos. Confesso que o vinho servido junto com o aconchego ajudou muito na impressão fraterna. Descubro que durante a semana os atores entrevistaram parte do público presente com perguntas variadas, desde coisas bestas como qual é a sua cor preferida a outras mais profundas sobre como gostaria de morrer. Me parece que parte desse questionário serviu de matéria para a construção da peça.
Não há uma encenação clara e narrativa, mas um clima de conversa e revelações pessoais por parte do público e dos atores sobre diversos sentimentos. Mas que diabos é então NAOTEMNEMNOME? Difícil explicar, o nome na sua ausência já diz muito. Talvez não haja explicação mesmo. A peça, não peça, fala daquela coisa que faz a gente gente. Daqueles momentos, felizes ou tristes, que de repente em um átimo nos faz sentir vivos. Quando de repente nos apaixonamos, quando perdemos alguém, quando somos humanamente bestas, ou humanamente profundos. Principalmente daquela coisa que move a gente nessa travessia pelo mundo. Aquilo impalpável que o Guimarães Rosa disse – o sertão é o vento. E mais importante, a peça não nos revela nada, ela apenas tenta compartilhar esse corpo invisível que habita o homem. Compartilhar nesses tempos já é um passo extraordinário. A peça nasce então no encontro dos atores com o público e na troca dos desencontros da vida. Não precisa mais, já tá de bom tamanho.
Saí da peça e voltei para casa, de volta ao meu filho e seus caninos afiados. A madrugada chuvosa e o filho mordendo o ombro enquanto se acalma e adormece nos nossos braços – NÃO TEM NEM NOME.

Roberto Robalinho

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