segunda-feira, 8 de outubro de 2012

WHAT'S YOUR FAVORITE SCARY MOVIE?



Sábado, meio-dia. Toca o telefone.
- Alô, Mauro? Tô indo comprar uns ingressos agora, mas tô completamente por fora. Qual é a boa de hoje?
- Do you like sacary movie, mané? Meu caro, não tem que pensar. Crava Halloween, sessão histórica de meia-noite!
- Porra! Boa pedida.
- Ah! Cersósimo, aproveita e compra pra mim também. Te pago meia-noite.

Vinte e três horas e quinze minutos. Saio eu de uma sessão sapeca iaiá do filme Killer Joe. Toca o telefone.
- Maurão? Cara, é o seguinte: consegui agora dois ingressos de grátis para o show do Paulinho da Viola, no Circo Voador. Tá indo eu e minha namorada...
(Putz, só pode ser uma killer joke, penso)
-...Maurão, tá aí? Oh, já estamos dentro do taxi, aqui perto do shopping. Tenho que dar seu ingresso. Ah, se você conseguir vender os meus... uma inteira e uma meia.

Foi-se o restolho da minha dignidade. Tomei bolo de amigo nerd! Pergunto a você leitor dessa minha desdita: entre uma sessão de cinema sanguinolenta do Carpenter (repleta de nerds punheteiros) e um show romântico 0800 do da Viola acompanhado de lambidas no cangote de sua namorada, qual você escolheria? Claro, eu sei! Nem eu nem você temos a menor dúvida: Halloween, porra!
Mesmo sendo exibido com uma cópia em película cor de abóbora e mais riscada que as felizardas vítimas de Michael Myers. Que o digam os dois camaradas que saíram no tapa pra comprar os ingressos na minha mão.

A propósito, essa grana dos ingressos do Cersósimo, vulgo Roberto Souza Leão, ainda está comigo. Tá aqui, do meu ladinho, tô olhando pra ela agora enquanto escrevo essa missiva impossível.

Tô matutando se devo, não nego.


Lobo Mauro



(P.S.: roubei o vídeo do facebook do Fernando Toste. Na cara de pau, mesmo)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A GATA DA HORA

Leio a sinopse do último filme do William Friedkin e quase acho que é uma matéria de capa do jornal Meia Hora. Algo do tipo, “playboy faz dívida na boca bota a mãe na roda”, ou “ficou queimado e passou fogo na mãe”. A verdade é que ao final da projeção de Killer Joe, fiquei com uma impressão de ter assistido a versão texana do Cidade Alerta. Tudo no filme me soa um tanto quanto histérico demais. Personagens meio loosers destilando violência e humor negro. Um assassino de aluguel da linha caipira-cool, mau feito um pica-pau. Tenho a nítida impressão de já ter visto isso em algum lugar.

Antes que algum arauto do bom gostismo me interpele, vou logo dizendo que sou um admirador do trabalho de Friedkin. Gosto de O Exorcista, Operação França, da refilmagem de 12 Homens e uma sentença e daquele filme cafona dos anos 80, Viver e Morrer em L.A. Em Possuídos, um de seus últimos trabalhos, me impressiona aquela atmosfera de tensão em um ambiente claustrofóbico. E não nos esqueçamos, em Possuídos tínhamos Ashley Judd. Opa! Então, quase que de supetão, abandono o filme, e me permito ser arrebatado pelos grossos lábios de Gina Gershon. Fico rememorando a sua belíssima entrada em cena. A origem do mundo bem na cara de Emile Hircsh. Ainda que a bela Juno Temple inspire os instintos mais afetivos e protetores, Gina é a razão de meus aplausos.

Foi o suficiente para me deixar devanear pelas melhores primeiras cenas femininas da história do cinema. Sonhei com Nicole em De olhos bem fechados, vibrei com Scarlet, em Encontros e desencontros. Nesses momentos, aqueles minutos de bunda quadrada na poltrona parecem valer à pena. Acho que nunca soube o que é o cinema de fato, mas provavelmente seu verdadeiro sentido deve estar escondido por debaixo do espartilho de Claudia Cardinale em Era uma vez no oeste. Isso, nem mesmo o gosto de frango frito com molho barbecue consegue estragar.

Roberto Souza Leão, vulgo Cersosimo

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DO ESTÁCIO À NOVA IORQUE E VICE E VERSA

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Qual a relação entre o bairro do Estácio no Rio e Nova Iorque? Nenhuma, ou todas aquelas que a gente inventa. Na sexta passada fui assistir ao filme A Dama do Estácio de Eduardo Ades e de certa forma esbarrei na “grande maçã” no caminho do cinema. Sem ingresso para o filme e desolado pela própria estupidez dos que não conseguem ingresso, me encaminhei para a única alternativa, beber uns copos. Na solidão da encruzilhada entre os bares próximos ao Baile Charme e ao Teatro Rival, com os fãs de Death Metal, decidi ir até o Amarelinho na esperança de encontrar algum rosto amigo para repousar a frustração de não poder ver o filme.

Eis que lá encontro um casal de amigos que acabavam de descobrir que iriam passar um ano em Nova Iorque. Brindamos eufóricos o máximo de vinho possível e enquanto cantávamos New York, New York em trio desafinado, tomei coragem para tentar a sorte por ingresso na porta do cinema. Me despedi com ares de Fred Astaire tropical e saí em direção ao cinema entoando a estrofe da canção como um Frank Sinatra tísico. E como diz a canção - eu e meus sapatos vagabundos estão aqui para ficar! Surrupiei uns ingressos da produção do filme e me juntei à turba na porta do Odeon.

De resto posso dizer de imediato que o filme do Eduardo Ades é muito bonito. E ainda embalado na comparação esdrúxula entre o bairro carioca e a metrópole americana, me lembrei da imagem que um escritor uma vez cunhou ao chegar em Mahattan de navio, a de como seriam as ruínas daqueles arranha-céus daqui a mil anos. Bom, posso dizer que em relação ao Estácio pude experimentar suas ruínas marcadas no corpo e na luz projetada na tela. O filme A Dama do Estácio é uma elucubração sobre o que teria acontecido com a personagem Zulmira do filme A Falecida de Leon Hirszman realizado em 1965. Este é o primeiro filme da Fernanda Montenegro e ela está lá de volta mais uma vez encarnando a Zulmira. A potência da atriz, da personagem quase cinquenta anos depois é impressionante. A voz, o movimento do seu corpo no quadro, as rugas no rosto, a mesma obsessão pela morte, marcam a passagem do tempo, mas ainda é possível vislumbrar um passado. Há ali na tela o filme do Leon, mas também o filme do Ades, há a mesma atriz que já não é mais a mesma e uma cidade que também já é outra. É neste espaço nebuloso, entre os tempos idos e o presente, que o filme habita. O próprio filme funciona como ruínas de um filme, de uma atriz, de uma cidade, com toda a potência poética e reflexiva que as ruínas nos trazem para pensar o presente. E claro, o filme não deixa de ser uma celebração do cinema, de uma atriz e do bairro do Estácio – um certo modo de ser carioca.

Às favas Nova Iorque, fico com o Estácio onde os personagens do cinema de outrora ainda podem viver seus desejos mais loucos.

Roberto Robalinho

Link para trailer do filme A Dama do Estácio: http://vimeo.com/48777089

domingo, 30 de setembro de 2012

A VERDADEIRA CINEFILIA

 
João da Luz, ou apenas luz para os amigos, sofria de um mal intermitente. De tempos e tempos sentia uma vontade incontrolável de ir ao cinema. Não sabia bem porque, mas o fato é que o falo, o seu é claro, só ficava duro no cinema.

Talvez isso tivesse uma origem distante na infância quando sua mãe o levava ao cinema toda segunda a tarde.  Lembrava do calor modorrento do subúrbio e os conselhos da mãe antes de cada sessão – não ponha todos os caramelos na boca, se não engasga. Me espere na saída, tenho um assunto a tratar e talvez atrase. E não esqueça, se teu pai perguntar, assisti ao filme ao seu lado. E dito isso, sumia na convulsão da rua enquanto ficava a imaginar o seu paradeiro. E assim, a tarde no Cine Marajá se misturava as vedetes do cinema e a uma angústia dos sumiços temporários da mãe.  Rita Hayworth acendia um cigarro lânguido enquanto sua mãe sumia na multidão, e as pernas da Virginia Lane cruzavam sobre o seu olhar de despedida.

Na adolescência já tinha tomado gosto pelas escapadelas matutinas cinematográficas e, sem que a mãe o levasse, sempre arranjava tempo para uma sessão ou outra. Era um refúgio da vida besta em que por um breve tempo podia ser tomado por grandes aventuras.  Sentia que era verdadeiramente possuído pelo cinema e que só recuperava seu verdadeiro e medíocre eu alguns minutos após a sessão. Caminhava pela zona norte como um herói capaz de vencer os infortúnios do mundo, até que lentamente o mundo ia entrando de volta ao corpo e a realidade ia se impregnando à pele.

Foi em uma sessão dessas que viu seu primeiro par de seios. E de novo, como no caso da mãe, essa lembrança se misturava a luz refletida na tela, e talvez, na aparição das tetas, teve o presságio de sua condição. Esperava na sua cadeira entre uma sessão e outra quando a moça que arrumava a sala se curvou na fileira da frente para catar algum resto. E ali, emoldurada pela tela ao fundo, conectando de alguma maneira os dois mundo, tela e sala, um botão aberto revelava o seio róseo, primeiro um e depois o outro. Passou um tempo vendo o filme em duas sessões, interligadas por aparições momentâneas de seios. Percebeu que ali, nesse vão entre a tela e a sala, havia uma fonte inesgotável de pulsações. E começou a procurar mais do que seios e logo foi percebendo em outros cinemas, outras sessões, outros bairros, mãos, pés, pernas, bocas, bundas, até que um dia seu corpo foi de encontro a outro, e sua língua pode tocar o céu da boca de outra mulher. Um passo para que o pau pudesse enfim viver a glória rápida dos virgens e se dessacralizar no espaço sagrado de uma vagina. Depois daquele filme nunca mais foi o mesmo, e sentiu que a possessão comum após o cinema perdurou durante um bom tempo, de forma que parte do herói ficava guardado dentro de si.

Hoje vive essa busca, de cinema em cinema, filme em filme, por uma mulher inteira que dê um sentido total a sua existência. Seria sua última sessão de cinema,  e quiçá da vida. Sua vida amorosa se resume a esses fragmentos de filmes, e de mulheres, cada um encravado em algum lugar de seu corpo, tatuagens luminosas de gozos, paixões, desilusões e amores. Sua vida foi uma genealogia cinematográfica sexual e sentimental - no Roxy amou perdidamente, no Palácio pode ser um verdadeiro canalha, no Métro experimentou longos anos de uma paixão platônica, no Imperator o primeiro amor, no Veneza a primeira desilusão. Enfim, de fotograma em fotograma, fez-se homem.

Roberto Robalinho

FUGA DO RYO DE JANEYRO


Desvirginar no Festival com Spike Lee e John Carpenter em NY, oh yeah! E fuga é um tema recorrente nos 'Verão em Red Hook' e 'Fuga de Nova York'. Flik Royale, o garotinho moicano do filme do Spike Lee já chega no Brooklyn querendo partir. Um dos personagens ainda acha estranho que o pastor, avô do Flik, tenha vindo do sul para NY, cidade cada vez mais cara. E cá penso, olhando para meu comprovante de 18 reais do ingresso, que Ryo de Janeyro tá pra lá da ponte do Brooklyn. E o Verão de Spike segue agradavelmente Lee, muito mais leve que esse outono invernal carioca, quando... putz! Não vou falar, vejam. Se não agora, quando estrear no circuito comercial.

Saí atordoado do filme, com sede de algo mais leve, mais fofo, pra abrandar os corações. E, oras, na falta de Chuck Norris, nada mais calmante do que Snake Plissken dando porrada!
Por sorte, encontrei o Ursinho Ted na saída do cinema. Coincidência das boas, teria companhia. Sei que dá dó gastar uma inteira naquela meia-sala do Botafogo 3, mas caramba!, trata-se de um dos meus ícones adolescentes televisivos. Entramos na saleta quase meia-noite e o Ted já solta: 'Dá só uma sacada: só tem punheteiro nerd!'. Concordei meneando a cabeça acompanhada de uma coçadela inconsciente do saco.

Agora, o que fugiu mesmo nas duas sessões foi o som. Snake sibiliva. Poxa, o Guia é de Cego mas nem o Ted conseguia escutar. E a telinha da saleta, naquela exibição escura de DVD, tornava a Nova York sitiada grandiosa da minha memória menor que a Ilha Fiscal.  Nisso, olho para o lado. Ted estava... estava... se masturbando feito mulher? 'Que foi?', Ted bradou mais alto que o The Duke, 'nunca viu um eunuco de pelúcia tirar uma bronha?'. Ergo os ombros inocentemente. E Ted me segreda no ouvido: 'Esse Kurt Russel até que tem uma bunda gostosa, hein!'. Olhei no fundo dos olhos de plástico de Ted: resplandeciam sinceridade. Foquei então no decote grande angular de Adrienne Barbeau, que fez cabelo e bigode da minha libido, e pensava: Flik Royale é mais marrento que Snake Plissken e Neymar juntos.

Lobo Mauro


sábado, 29 de setembro de 2012

NÃO EDITORIAL 2

O trança-pés desenfreado da Rua Voluntários da Pátria não deixa dúvidas: é tempo de Festival de Cinema no Rio de Janeiro. E com ele, um frenesi toma conta da cidade, todos em busca do melhor filme de todos os tempos da última semana. Para você que não sabe o que assistir nesse emaranhado de filmes, o blog Guia de Cego vai ajudá-lo a permanecer na dúvida. Após um ano de interregno, os quatro cronistas mais improváveis do Rio de Janeiro estão de volta para breves relatos sobre filmes e tudo aquilo que está além deles.

As belas coxas da atriz venezuelana, o acepipe degustado na entrada do cinema ou a estridente gargalhada do careca da segunda fileira. Dos coletivos abarrotados nas idas, ao metrô solitário das voltas. Os temas e cenários das resenhas serão os mais diversos, mas terão como denominador comum o despojamento e bom humor. Mais que assistir ao filme é preciso vivê-lo. Então, ergam vossas bengalas e deixem-se tropeçar nos percalços do caminho.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

HOJE EU VOU TOMAR UM PORRE, DE ACETATO E POLÍMERO

Quando um lobo vira besta, se apaixona e sua neurose lupina lhe segreda grandes chances do seu rabo ficar entre as pernas, o que geralmente se faz? Toma-se um porre. E foi minha sábia decisão. Comprei cinco ingressos antecipados, on the rocks, pra três dias. Sozinho, sem a Chapeuzinho. Tá, tudo bem, não sou lá um bebum que mete medo, mas pra meus parâmetros, boemia, aqui me tens de regresso.

Destes cinco filmes, quatro de um tal de Bruno Dumont. Francês. Desconhecia. Grande surpresa, o que me relembra, coincidência, do festival passado, outra francesa: Claire Dennis. Engraçado que a França e seus filmes premiados em Cannes (Of God a men, Ano Bissexto) decepcionaram bombasticamente.
Eis os filmes assistidos, nessa ordem: 'A Vida de Jesus', 'Flandres', '29 Palms', 'A Humanidade'. Como sou imbecil, cometi um pecado de  Hadewijch: meu cérebro excell cheio de bug até o colocou na planilha neural, mas fui salvo pela moça dos ingressos. "Moço, você vai assistir '29 Palms' aqui em Botafogo e, 3 minutos depois conseguirá chegar em Ipanema?" É... perdi.
Tirando '29 Palms', gostei de todos. Muito. Bruno Dumont é um cara de estilo, com sua marca registrada na violência espreitadora e na fuderola realista. Planos de xana geniais. Vaginiais!

Mas faltou dizer o quinto elemento. De longe, o mais divertido de todo o meu festival: 'Contos da Era Dourada'. Um filme de curtas romenos. Todos muito bons, com o recorte de tirar sarro mítico da era Nicolae Ceausescu. Vale a fadiga de 150 minutos. Principalmente pelo terceiro curta, de uma possível visita da comitiva do ditador a uma cidadezinha do interior do país. Não é um curta piada, mas é também piada, daquelas genias, subversivas, cheia de entrelinhas, camadas de cebolas que nos provocam lágrimas nos olhos e construída aos poucos. O cinema veio abaixo, a risada foi pra cima. Ecoou pra depois da sessão na minha caminhada de volta.

Só parou quando descobri que tinha um outro filme que deveria ter assistido. Um do Woody Allen! Não... eu assisto filmes do festival me baseando mais naqueles que não vão entrar em cartaz. Mas é que, bendito torpedo abatedor, Chapeuzinho me diz que foi ao cinema a convite da vovozinha. E, claro, os ingressos já estavam esgotados. Mas ela me consola: "Sabe o nome do filme, Lobo? 'Você vai conhecer o homem dos teus sonhos' "

Uau! Mas a pulga atrás da minha orelha decidiu realizar uma festa de arromba, convidando várias outras: a Chapeuzinho ainda VAI conhecer o homem dos sonhos dela? Ela sonhou o meu sonho e o Caçador Pai Boonmee tá rondando a floresta? Afinal, essa minha história da Chapeuzinho segue a narrativa da comédia, comédia romântica, drama, suspense, melodrama ou é um experimental pós-contemporâneo da porra?
Só rezo, para a lua, que não seja um conto da carochinha.





domingo, 10 de outubro de 2010

ENTRE SAFRA DE JORNALISTAS


Cansado dessa vida de festival decidi abandonar o barco e seguir rumo ao nordeste. Fui de encontro às minhas memórias e aterrisei em Recife, cidade náufraga.  Com os olhos marejados desci do avião cantando VOLTEI RECIFE trançando as pernas em ritmo de frevo, parecia um bonecão do posto em noite de ventania.  A cidade sobre os escombros afogados de outrora ainda me causa impacto.

O fato é que enquanto me encolhia na cadeira do avião entre um nutri e outro passei por uma reportagem no jornal Globo intrigante, o headline era mais ou menos esse – A safra de filmes da Premier Brasil decepciona. Não entendi muito bem, afinal o que passa na Premier Brasil, sacas de café? De soja? O jornalista falava de agricultura? Fiquei pensando nessa analogia, quando a safra de café é ruim, todo o café é ruim. E quando a safra da Premier é ruim, todo filme feito no Brasil é ruim?

Me parece que o jornalista trocou as bolas. Pelo que li no mesmo jornal em outra reportagem mais de cem filmes se inscreveram na mostra, mas apenas 17 longas foram selecionados para a competição. Não sei não, mas o problema não é de safra, mas de curadoria.  Vamos ser claros. Confesso que não vi nenhum filme da Premier Brasil, mas no entanto tem um bocado de filmes que não foram selecionados que tenho a maior curiosidade de ver. Muitos dos filmes que passaram na SEMANA DOS REALIZADORES (e que pelo meu caos inerente, e pelos caninos do neném, não consegui ver), como a leva do jovem e ousado cinema Cearence, e o novo documentário da Marília Rocha, devem ser interessantes exemplares dessa “safra”. Há ainda filmes de amigos próximos, como o novo do Felipe Bragança e da Marina Meliande, que não estão no festival e que morro de curiosidade de ver. E mesmo que seja um gesto oracular, pelo o que conheço dos dois, deve adicionar poesia, coragem e beleza a essa nova “safra”.

Imagino também que na própria Premier há filmes interessantes e inovadores. Nesse mesmo blog o RISCADO foi bem avaliado.

Enfim, esse negócio de se referir ao cinema como safra, gado, curral ou manada é a maior besteira do mundo. Vejam os filmes pelo que eles são. E se é para criticar a curadoria do festival sejam claros, digam em alto e bom tom – a curadoria do festival é uma bosta! Eu como não vi, me abstenho em relação aos filmes que passaram na Premier, mas não nego que adoraria que os filmes citados nesse post fossem exibidos no Festival.  

Roberto Robalinho

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

GOSSIP BOY

Chapeuzinho Vermelho me disse que leu o blog. E acha que nós, escrevinhadores rocinânticos virtuais, a fazemos lembrar do seriado Gossip Girl. Terá sido um elogio?

Será que algum dos nossos meia-dúzia de três ou quatro leitores pode me ajudar a desvendar este mistério esfíngico?

Lobo Mauro

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PAI BOONMEE DÁ CHAPÉU

Madrugada de sábado na rua Joaquim Silva, Beco do Rato. Alguns gatos pingados no chorinho, algumas gotas pingadas de chuva e lágrimas. Pinga nos copos. Sede nas almas. A deriva nesta esquina de minha toca.
Chapeuzinho Vermelho passa por mim, sem me perceber. Só pode ser ela. Pago correndo a conta. Deixo troco e algumas perspectivas. Alcanço a rua, mas não minha paixão, que vira pelo avesso minha razão e a esquina da Augusto Severo. Chamo-a, mas no momento em que passa um carro de polícia prendendo minha respiração.
Chapeuzinho caminha, rebolando meus sonhos de um lado para o outro, centrífuga da libido. Salivo e tropeço em minha própria língua caída no chão, ao lado de uma guimba de cigarro e uma lata de cerveja ainda não recolhida. Reciclo minhas esperanças e grito minha urgência. Chapeuzinho se vira, amorenando meu mundo.
Do outro lado da rua, de trás de uma estátua clássica da Praça Paris, amoderna-se um vulto. É o Caçador, que pula a cerca da praça como um Matrix Nagô, atravessa a avenida em dois passos ignorantes de ônibus e outros travestis. Um Caçador Oriental, em trajes de Xangô. Pai Boonmee. Abominável usurpador, enlaça Chapeuzinho num beijo puto, levanta-lhe o capuz vermelho acima da cintura. Ai, meus pecados! Chapeuzinho, linda, só de capuz vermelho e uma ínfima calcinha de pele de lobo abatida ao dente.
Pai Boonmee lhe taca a mão naquela bunda pão-de-açucar. Perdi o bonde da história, diabético de afeto. Mas..., que rabo! Um rabo daquele, tão bonito, tão LAN, tão traveco! Chapeuzinho Vermelho, a Menina do Paraguai mais terrível da Augusto Severo. C'est vero!

Acordo suando alívio. Belo Horizonte. Na noite anterior, depois de 5 jogos, meu Galo venceu. Hoje, eleição com vitória garantida de Anastasia e Aécio. O que vim fazer aqui? Pego o celular para ver as horas e encontro um torpedo, cujo alvo, minha lógica:  Chapeuzinho Vermelho me dizendo que assistiu um filme ótimo no Festival do Rio. Que riu muito. Uma comédia finlandesa, com a presença ilustre do próprio diretor na sessão. Não diz o nome do filme. Não precisa. 'O Ciúme Mora ao Lado', de Mika Kaurismäki.
Definitivamente, homem algum jamais entenderá uma mulher. Quiçá, um Lobo Bobo.

Lobo Mauro

NÃO FREUD

Eu já estava estranhando. Quase duas semanas de Festival do Rio e nenhuma bomba (o filme sobre o Mario Filho é fraco, mas não chega a freqüentar a zona de rebaixamento, ainda que também esteja longe da Sul-Americana). Mas hoje, após êxitos sucessivos, consegui ser presenteado com uma bomba. A mula manca é o mexicano Ano Bissexto, que eu bem poderia ter deixado para 2012. Já certo do juízo final, quem sabe poderia ser poupado de tal constrangimento.


Engana-se quem acha que nos estertores, fica mais fácil ver um filme no Festival. Lord Aragão não me deixa mentir. O nobre escriba e eu tentamos em vão acompanhar a Turnê de Mathieu Almaric, mas sequer conseguimos uma temporada popular na Lona Cultural de Del Castilho. O amigo ainda estava na Glória quando aviso que acabaram-se os ingressos, mas não os otários. Do outro lado da linha, ele me indaga: "Algo que vale a pena?". "Acho que não", respondo sem muita convicção. Mas a amiga Inês aponta a esquina e me informa que o referido o mexicano foi laureado em Cannes. Claro que tal argumento não me convenceria. Mas o comentário a seguir me faz repensar. "É filme com putaria". "Eba!They fucked up with the wrong Mexican", bradei Machetianamente.

Laura, de 25 anos, vive sozinha e entediada em seu apartamento. Após uma transa com Álvaro, passa a viver com ele um tórrido, hematômico, uréico e nocotínico romance. Acaba por aí? Não, Laura ainda sofre pela perda do pai, que morreu 4 anos antes, num dia 29 de fevereiro. Não sou lá muito talentoso com sinopses, mas fica fácil prever que o filme descamba pro Freud mais clichê. Cenas de perversão, enquadramentos rigorosos e silêncio. Este, devidamente quebrado por um nada cerimonioso ronco do colega ao lado, que também parecia não curtir muito a sessão.


A platéia se deleita com as cenas da personagem se entregando aos delírios de Sade. Tudo muito bobo. Se esse era pra ser o filme-escândalo do Festival, estamos mal. Não dá nem pé de página no Meia Hora. O que resta é Laura riscando os dias em seu calendário, enquanto eu conto os minutos para que a tortura acabe. Pelo menos para que o colega ao lado não acorde com torcicolo.


Roberto Souza Leão

terça-feira, 5 de outubro de 2010

MALANDRO É MALANDRO...

Noel Rosa, os nobres silvas Bezerra e Moreira, Macalé, Tim Maia, Nelson Gonçalves, Sergio Mallandro...
Como todo bom otário sempre adorei a malandragem. Nada mais natural do que aproveitar a tarde de sábado para levar minha manézice para assistir a Histórias reais de um mentiroso. Trata-se do documentário sobre o mais célebre 171 contemporâneo: Marcelo Rocha (pra ficar em apenas um entre tantos nomes e identidades), o sujeito que engrupiu todo o baixo high society do Recifolia fingindo ser filho do dono da GOL.

Sessão de gala. Sobe ao palco a diretora paulista sobre saltos de madeira e cintura dura para os agradecimentos de praxe sem qualquer lábia, lero, ou malemolência. Mariana Caltabiano, com quem Deus foi muito mesquinho em termos de swing ou simpatia, faz as óbvias reverências a patrocinadores e equipe. Tudo muito chato.

Até que, pisando manso, chega ao palco um gordinho bonachão escondido em um boné. A platéia já vai adivinhando de quem se trata quando ele faz um simpático e improvável aceno de algemas para o público. Delírio da galera!
Interrompido pela cintura dura, que rapidamente escorraça do palco a nossa alegria junto com o gordinho bonachão. E antes ainda solta um amargo: “Isso não estava previsto”.

Graças a Deus que isso não estava previsto, dona Caltabiano! Se o gordinho só fizesse o ‘previsto’ provavelmente a senhora não tinha filme.

Mas tem. Amém. Vamos a ele.

Eu até que vou me divertindo com as peripécias do gordinho, temperadas com algumas animações ligeiramente bobocas e uns contrastes de edição espertinhos, quando surge então o grande golpe.
Tá certo, nada absurdo. Assistir a um filme sobre um 171 traz embutido o risco de ser vítima de algum estelionato. Só não adivinhei que se trataria de um estelionato cinematográfico.

Já perto do fim, o filme se aproveita das habilidades aeronáuticas do seu personagem para fazer um desvio de rota. De repente, sem quê nem porquê, estamos acompanhando a tragédia familiar da diretora, que usa seu filme para apontar a culpa da empresa Airbus no acidente da TAM.

 Antes de aterrisar em um melodrama com pitadas de Michael Moore, procuro a  saída de emergência enquanto me lembro das instruções das aeromoças da TAP:

“Onde estiver escrito push, não puxe, empurre. Onde estiver escrito pull, não pule, puxe. E onde estiver escrito Exit, não hesite, pule!”

Tarde demais. Antes que eu consiga pular, a diretora me alcança ainda sentado para me fazer ouvir um pito em Voz Over. Com um tom de professorinha de primário, ela passa uma reprimenda pública no gordinho que não se emendou e continuou sendo um mau menino.

Eu me afundo na cadeira, o gordinho mergulha no boné, enquanto a cintura dura segue altiva no salto de madeira.

Realmente, já não se fazem mais malandros como antigamente.

Aurélio Aragão

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Já levou 500 socos na cara em uma noite só?

Resolvi seguir os conselhos de Maíra, minha guru pernambucana. Nada de cinema. Ainda mais numa sexta-feira a noite. Chapeuzinho, está na hora do Lobo beber água!
Caminho serelepe pela Avenida Rio Branco. Cantando na chuva, desviando minhas orelhas das pontas afiadas de sombrinhas vindas de lado, de cima, em direto, em upper, um Anderson Silva pedestre. Por que certas pessoas (muitas, aliás) andam com o guarda-chuva aberto embaixo das marquises e te impurram, órfão de proteção, para adoção da chuva?
Uma mulher, em especial, numa beleza autista, quase me cega o mundo. Gostosa, não rebole tua sombrinha na minha cara como a espelhar teu glúteo máximo nesta tua passarela mínima, pois de mim não receberás um fiufiu! Nada disse, porém. Minha boca fechada pela aura alegre, o mau humor recolhido numa sala escura de uma sessão qualquer do festival. Amanhã, Belo Horizonte, cumprir meu direito de cidadão. Mas hoje, Chapeuzinho será minha!
Outra sombrinha, outra espetacular defesa em pêndulo. Sou liso boxer. Muhammad Ali dos trauseuntes. Peso meio-pesado com agilidade de pluma. Imbatível, intocável. Eu, um deus das esquivas, um Éder Jofre do ri... ai! No meio do caminho não tinha uma pedra. Mas um buraquinho molde do meu pé. Alguém tem um advogado para processar a prefeitura? Não acredito no azar. Dou mais dois passos, tentando sepultar a desdita. Mas me dói o tornozelo. E a alma. Já me conheço. Fui nocauteado pelo ridículo.
Páro um táxi. Chefia, me leva de volta pra casa. Meu tornozelo, uma jabulani. Minha auto-confiança, um Grand Canyon. Muito azar. Só falta agora meu Galo começar a ganhar. Preocupante.
Ligo pra Chapeuzinho. É, boneca, não poderei ir ao teu encontro. Sim, mil deculpas, mas torci feio o tornozelo. Preciso agora de uma enfermeira. E, mais do que nunca, preciso de ti.
Lembrei-me do filósofo Rocky Balboa: "Já levou 500 socos na cara em uma noite só? Depois de um tempo começa a doer."
Pois Chapeuzinho diz que adoraria, mas não pode. Ficasse para a próxima. E boa viagem, meu gatinho.
Sou lobo, penso, e não bichano. Agora, fera ferida, no corpo, na alma. E no coração.

Lobo Mauro

domingo, 3 de outubro de 2010

O DESPACHO E OS CAMINHOS QUE SE BIFURCAM

Sábado a noite tinha um compromisso inadiável com o desmascaramento da farsa do Tio Boonme. No estação Botafogo a exatamente meia noite, no meio da encruzilhada entre a Mena Barreto e a Voluntários, Tio Boonmee encarnaria de novo por uma última vez seu cavalo cinematográfico e de novo nos contaria o seu passado. Não sabia ainda que o verdadeiro encontro dessa noite, por ordem do acaso, seria uma volta ao ponto de origem, onde toda a farsa começou.

Saí de casa com uma antecedência de três horas, ignorando o fato de que pessoas dormiam na fila para essa sessão única. Uma tempestade enegrecia o céu e anunciava o destino trágico do herói. Ouvia gritos esparsos e solitários de alegria. Só podia ser mais um mal presságio. O Botafogo fazia um gol em um combalido flamengo. Mesmo assim, apesar dos avisos, e ciente da tormenta que antecede a glória, o herói seguiu seu destino com seu caminhar trôpego.

Não consegui nem a poeira do último ingresso do filme. Assumi minha errância e estupidez mesmo, e comprei ingresso para um filme com a sessão próxima à do Tio Boonmee. Imaginei pelo menos presenciar a agitação exotérica e orgíaca em torno do grande evento.

Faltavam mais de duas horas para a minha sessão e fiz o que era natural e fui beber a errância e as mágoas futebolísticas. Procurei algum rosto conhecido na multidão, e sem um ombro amigo para reconfortar sentei em um bar onde pudesse exercer a solidão sem ser importunado.

O fato é que logo fui salvo do abismo dos sem ingresso e sem amparo. Não, não apareceu nenhum ingresso, mas um grupo de amigos dispostos a compartilhar minha errância etílica e eliminar a aparente solidão noturna. E não é que no meio dessa malta que bebia, segundo orgulhosamente me informaram, a mais de 24 horas seguidas estava o grande Simplício, que de simples não tem nada.

Ali o herói sentiu que a obra do acaso era um capricho do destino. A tempestade espessa e cinza pairando sobre as nossas cabeças como uma barriga de asno se desfazia. Há quase duas semanas atrás, em uma conversa com esse mesmo Simplício, que agora aparecia difuso pela minha embriaguez, surgiu a ideia desse malfadado e irresponsável blog. Não me lembro quem teve a ideia original, mas em algum momento percebíamos que um (des)guia, feito de desvios, era o que faltava para (des)conduzir as pessoas pelo labirinto do festival. E lá nessa noite que se tornava diáfana, estava o Simplício com sua pose de Minotauro tropical e bêbado.

E o Simplício assumia em forma de escracho, sem saber, o papel oracular que esperava encontrar essa noite no Tio Boonmee. E, num inverso avacalhado, o oráculo narrou algo do seu passado. Nos contou em seu tom bufo peculiar o que até então é a sinopse de filme mais bonita do festival. Aviso logo que o filme não passará mais e que tomei a liberdade de não checar a sinopse original. Melhor ficar com a versão poética do Simplício, mesmo que esteja mentido descaradamente.

O filme é o NOSTALGIA DA LUZ, do renomado diretor chileno Patricio Guzman. Eis a sinopse genial: no deserto do Atacama um grupo de astrônomos busca na imensidão do céu pistas de vida extraterrestre. Enquanto isso, na galáxia seca da areia do deserto, um grupo de mulheres busca vestígios de ossos humanos de parentes vítimas da ditadura chilena. A oposição das imagens é linda. No mesmo lugar, o deserto, vasto por natureza, um grupo olha o céu e as estrelas, outro o chão e os ossos dos mortos. A busca pela vida nas galáxias, e a busca pela morte na terra. Na mesma imensidão o encontro da vida e da morte, do etéreo e do horror, do homem consigo mesmo. E como frisou o nosso oráculo – “o mais louco era que tanto os astrónomos como as mulheres buscam reminiscências do passado. Um a luz que quando chega até nós já é uma imagem de algo que já passou, muitas vezes de uma estrela que já morreu. O outro busca os vestígios da morte, do horror do passado que está enterrado nas areias.”

Me desculpe o Tio Boonmee, mas com esse olhar poético sobre o passado, mesmo diante dos horrores, achei que a noite já estava ganha e desisti de vez da pajelança sem nenhum remorso. A errância tem dessas coisas, como tem as encruzilhadas. São caminhos que se bifurcam e se abrem ao mesmo tempo. Que fique a lenda do Pai Boonmee, que fique a lenda do Simplício. 

Roberto Robalinho    


A MULHER DO LADO

Quinta-feira a noite.
Pois é, a Chapeuzinho teve uma queda para o ‘Homem do Lado’. Confesso nervoso, de início. Overdose de cinema para um contexto acasalamentador. Mas não é que o safadinho do filme começa muito bem? O plano inicial é surpreendente: enquadramento metade esquerda iluminada, metade direita na sombra. E fica assim, imagem fixa. Até a gente continuar pensando: que raios é isso? Penso ser o fim de um muro branco, numa esquina, o que explicaria a outra metade escura. E minha possível metade ali, do meu lado, rosto oculto na penumbra dos meus sonhos.
Pow! Na metade negra do quadro, uma marretada. Pow! Um machucado se abre. Ah, meu coração. Pow! Entendi. O buraco em que será colocado a janela. Pow! Uma cicatriz reverberada na parede branca iluminada. Pow! Eita, nada disso. Num mesmo quadro, interna e externa. Duas câmeras criando um mesmo plano. Pow! E o parto de um buraco, visto ao mesmo tempo fora e dentro. Único momento do filme no interior da casa do vizinho, útero de uma história com cordão umbilical intacto.
Filme cheio de graça, com soluções de enquadramentos beirando o genial. E, nos momentos em que minha verve besta de cineasta começa a tecer idéias de que a história começa a desandar, os risos mal contidos da Chapeuzinho me dão um tapa: nenhum filme pode ser ruim se faz um amor sorrir.
Viva a Argentina. ‘O Homem do lado’ tirou Chapeuzinho para bailar. Minha relação tango ainda sobrevive aos meus passos de samba.

Lobo Mauro

sábado, 2 de outubro de 2010

CAMPANHA ONDE ESTÁ PAI (TIO) BOONMEE


Gostaríamos de clamar as multidões para que nos ajudem a encontrar o famigerado ex Tio e atual Pai Boonmee. Essa história de largar a tela do cinema para viver de crendices e orgias na cidade do Rio de Janeiro está muito doida. Queríamos fazer uma entrevista para que o endiabrado ex-personagem de cinema possa dar suas devidas explicações.

Não temos como saber a veracidade dos posts que temos recibido com sua assinatura e se os divulgamos é por que temos um dever ético de (des)informação com nossos leitores.

Aqui na redação estamos muito preocupados que esse fato inédito, o abandono do filme por um personagem, se torne uma verdadeira epidemia. Já pensaram o inferno se o Rio de Janeiro, após anos abrigando todos os golpistas e bandidos internacionais, virar um paraíso orgíaco para ex personagens de cinema? Já pensaram se a moda pega o que poderá acontecer?

Para acabar com esse clima de alarme, queremos encontrar o verdadeiro Pai Boonmee para que ele possa explicar suas verdadeiras intenções. Por isso, por favor, se alguém tiver notícia de seu paradeiro, ou mesmo provas, mande o link com as fotos e vídeos para que o nosso jornalismo investigativo possa chegar ao fundo dessa história.

Agradecemos a atenção de todos e aguardamos ansiosos as colaborações.

Conselho (não)editorial do Guia de Cego.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

EM CASO DE EMERGÊNCIA....SEGURA NA MÃO DE DEUS!

Não, não estou fazendo apologia ao fluminense, Deus me livre! Finalmente após uma semana de festival consigo escrever um texto sobre um filme. A vantagem de um guia cego e errante é essa. O descompromisso é tanto que nos é permitido essas liberdades e devaneios. Viva os devaneios e a vadiagem descompromissada.

Após cantar todas as músicas do Cocoricó (aqueles que são pais saberão o que digo) consegui adormecer os caninos selvagens do meu filho. Tinha a tarde toda para vadiar, então coloquei o meu velho calção de banho e fui ao cinema.

Sessão de duas da tarde do filme OF GODS AND MEN no cinema São Luiz. Seria fácil conseguir ingresso longe da badalação de Botafogo com suas ninfetas cinéfilas. Ledo engano, ao chegar uma fila extensa se formava antes de abrir a bilheteria. Por sorte  90% das pessoas estavam indo ver o filme baseado no livre do Chico Xavier. Quem diria que Chico Xavier seria maior que deus? O azar é que a maioria era de velhinhas que não gostaram nem um pouco dos meus trajes – meu velho calção de banho translúcido!
Entrei na sala usando um jornal para esconder os meus trajes. Grande expectativa com o filme que tinha ganhado o prêmio do júri em Cannes. Apesar de que um amigo sempre me advertiu que cabeça de júri e bunda de nenem ninguém sabe o que pode sair. Agora que sou pai de um nenem de 1 ano e sei o que pode sair de sua bunda devia ter desconfiado do prêmio do juri.

Para resumir, o que um grupo de monges entocados em uma montanha ouvindo lagos dos cisnes tem de emocionante? Nada, rigorosamente nada. E essa me parece ser a cena de epifania do filme. O que faz um grupo de monges franceses ao serem confrontados com uma situação de perigo em um país muçulmano do norte da África? Essa seria a sinopse do filme. Ora não são monges? O que interessa o perigo? Não vão para céu quando morrerem? Ah, mas o filme vai discutir esse negócio do conflito religioso por um viés humanista, afinal os monges se sentem irmãos dos árabes. Não todos, é claro. Humanismo tem limites. Há os terroristas, o exército e os políticos que não merecem um lugar no céu. Enfim, duas horas de monges rezando e chegando a conclusão que no fim morrer é encontrar deus, me parece um engodo daqueles. Por isso me parece que o filme na verdade é um manual para monges em momentos de perigo – ao ver um árabe terrorista barbudo com sua kalashnikov em punho não se desespere, reze 10 ave marias e 10 pais nosso, e, se isso não funcionar, não se esqueça de que é um monge e tem um lugar garantido no céu. Melhor para o terrorista que, se morrer na jihad, vai para um céu com cem virgens só para ele.

Enfim, mosteiro que não tem o Fradim não tem a menor graça!

Roberto Robalinho 

A MEIA NOITE RECORDAREI NO TEU CADÁVER

Caríssimos Cegos de Quixote,

Trago a prostituta amada em três dias.
Curo hemorróidas.
Faço América-RJ campeão brasileiro.

Aproveito para convidá-los para minha Pagelança Tailandesa que realizar-se-á no Estação Botafogo, à 0h de  sábado pra domingo.

Jogadres de bocha da Xavier de Brito e Proxenetas da Ceará pagam meia.

Axé!

Pai Boonmee

NEM TODAS AS MÃES SÃO FELIZES


Os domingos da minha infância conheceram uma tradição mais forte do que o Silvio Santos ou a Pizza de Mussarela. A cada melancólico crepúsculo dominical, sabíamos que tinha chegado a hora do indefectível telefonema da minha mãe para minha avó. Um quase religioso dever filial que ela cumpria entre resignada e feliz. E que acho que se mantém até hoje. Mesmo que minha quase centenária e completamente surda avó tenha que adivinhar telepaticamente as perguntas gritadas pela minha mãe do outro lado da linha.
Quando meu telefone tocou no último domingo, intuí todos os cruzamentos simbólicos embutidos naquele telefonema. Como diz um amigo meio doido–meio psiquiatra: “Tudo significa!”. Mas encobrindo as razões rituais e afetivas daquela ligação estava um pedido aparentemente singelo. Minha mãe só queria algumas dicas para o festival. 
O desastre. Eu ia ser desmascarado. Depois de ser bancado pelos meus pais durante anos para concluir um curso de cinema cujo diploma nem serve para tapar buracos na parede, a minha incompetência ia ser exposta. Horas de aula de teoria, linguagem e história cinematográfica. Milhares de reais gastos em ingressos de filmes obscuros. E eu não era capaz de indicar um filme!?
Diante do pânico daquele momento tentei jogar no seguro. Um pouco evasivo indiquei um filme sobre o Gainsbourg que sei que minha mãe gosta. Mas ainda assim meu fracasso gritava diante de mim. Decidi suprir minhas lacunas cinéfilas assistindo ao filme mais ousado, mais antenado da programação do dia.
Foi então que surgiu. Kaboom. A bomba do meu festival.
Meu erro foi fechar os olhos para os sinais do que estava por vir. Apesar de topar na entrada com uma dúzia de adolescentes mais excitados do que fila do show do Fresno, insisti. O resultado disso já ficou claro nos planos iniciais. O filme abre com um guri sexualmente confuso mergulhado em uma fantasia erótica com um surfista débil mental. E por aí vai. A sensação é a de assistir a Malhação numa versão Playboy TV.
E isso certamente não é o pior. Sexo em geral é bom. Pelo menos distrai. O que faz sofrer é acompanhar um enredo que parece saído de uma partida de RPG jogada por adolescentes oligofrênicos. Costumo ser contra qualquer censura. Mas esse manifesto da confusão hormonal merecia a advertência de “Proibido para maiores”.
Na saída do cinema passo por senhorinhas que balançam as cabeças em desabono. Devem ter filhos tão desastrados quanto eu. 
Já do lado de fora, todos os amigos inteligentes chegam para a sessão de um filme costa-riquenho que parece lindo e que eu naturalmente ignorava. Minha incompetência exposta.
A única coisa que me resta fazer é passar o telefone deles para a minha mãe. 

Aurélio Aragão

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

COMO É BOA NOSSA EMPREGADA

Um desavisado que descobrisse que, além de A Empregada, Im Sang-Soo também realizou um sugestivo A Última transa do Presidente pensaria de bate-pronto: "trata-se de um pornochanchadista coreano". Nem tanto, nem tão pouco. A empregada em questão não faz juz às monumentalidades apoteóticas e sambaleônicas de uma Adele Fátima, mas com certeza seria capaz de fazer Pai Boonmee prever o porvir em outras freguesias.

Um filme do subgênero Coreano Clássico Narrativo.Oriental não-contemplativo. Desconfiava que já tinha visto alguma coisa dele. Horas antes, no trabalho, meu pernonal IMDB informa dos filmes anteriores de Sang-Soo, que aqui, pra simplificar a minha vida de cronista de festival, chamarei carinhosamente de Samsung. Memória também é esquecimento. De uns tempos pra cá descobri a liberdade de não lembrar. Toda vez que isso acontece me recordo (ou me esqueço) de que em anos anteriores via filmes a Bangu (sempre o futebol!). Poucos são os que ficam. Aos laureados com a minha capacidade mnemônica, chamo-os de fundamentais. Samsung não figurava entre eles. Pelo menos até então.

Estou confortávelmente instalado na minha poltrona enquanto espero a sessão. O diretor chega como um lutador de boxe, falta-lhe apenas o roupão e o treinador vociferando atrás, "protege a guarda! protege a guarda!". A bela alvinegra que apresenta a sessão diz não saber se Samsung vai apresentar o filme em Inglês ou Coreano. Ele, pândego como os bons, saúda a plateia num suculento e gorduroso brasileirês: "Boa Noite". É o suficiente para angariar a minha simpatia.

É um filme de mulheres. Elas brilham, excitam, revoltam, até chateiam. O personagem masculino do filme é um mero detalhe. Sua canastrice dá exata dimensão de que veio ao mundo com a mesma função de todos os seus pares: ver as meninas e nada mais nos braços. Almodovar, Hitchcock com ares de Gilberto Braga. Parece pouco elogioso? Um tanto sarcástico? Para alguns, talvez. De certo não para aqueles que, como eu, curtem um melodrama classudo e rasgado.

Roberto Souza Leão