segunda-feira, 8 de outubro de 2012

WHAT'S YOUR FAVORITE SCARY MOVIE?



Sábado, meio-dia. Toca o telefone.
- Alô, Mauro? Tô indo comprar uns ingressos agora, mas tô completamente por fora. Qual é a boa de hoje?
- Do you like sacary movie, mané? Meu caro, não tem que pensar. Crava Halloween, sessão histórica de meia-noite!
- Porra! Boa pedida.
- Ah! Cersósimo, aproveita e compra pra mim também. Te pago meia-noite.

Vinte e três horas e quinze minutos. Saio eu de uma sessão sapeca iaiá do filme Killer Joe. Toca o telefone.
- Maurão? Cara, é o seguinte: consegui agora dois ingressos de grátis para o show do Paulinho da Viola, no Circo Voador. Tá indo eu e minha namorada...
(Putz, só pode ser uma killer joke, penso)
-...Maurão, tá aí? Oh, já estamos dentro do taxi, aqui perto do shopping. Tenho que dar seu ingresso. Ah, se você conseguir vender os meus... uma inteira e uma meia.

Foi-se o restolho da minha dignidade. Tomei bolo de amigo nerd! Pergunto a você leitor dessa minha desdita: entre uma sessão de cinema sanguinolenta do Carpenter (repleta de nerds punheteiros) e um show romântico 0800 do da Viola acompanhado de lambidas no cangote de sua namorada, qual você escolheria? Claro, eu sei! Nem eu nem você temos a menor dúvida: Halloween, porra!
Mesmo sendo exibido com uma cópia em película cor de abóbora e mais riscada que as felizardas vítimas de Michael Myers. Que o digam os dois camaradas que saíram no tapa pra comprar os ingressos na minha mão.

A propósito, essa grana dos ingressos do Cersósimo, vulgo Roberto Souza Leão, ainda está comigo. Tá aqui, do meu ladinho, tô olhando pra ela agora enquanto escrevo essa missiva impossível.

Tô matutando se devo, não nego.


Lobo Mauro



(P.S.: roubei o vídeo do facebook do Fernando Toste. Na cara de pau, mesmo)

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A GATA DA HORA

Leio a sinopse do último filme do William Friedkin e quase acho que é uma matéria de capa do jornal Meia Hora. Algo do tipo, “playboy faz dívida na boca bota a mãe na roda”, ou “ficou queimado e passou fogo na mãe”. A verdade é que ao final da projeção de Killer Joe, fiquei com uma impressão de ter assistido a versão texana do Cidade Alerta. Tudo no filme me soa um tanto quanto histérico demais. Personagens meio loosers destilando violência e humor negro. Um assassino de aluguel da linha caipira-cool, mau feito um pica-pau. Tenho a nítida impressão de já ter visto isso em algum lugar.

Antes que algum arauto do bom gostismo me interpele, vou logo dizendo que sou um admirador do trabalho de Friedkin. Gosto de O Exorcista, Operação França, da refilmagem de 12 Homens e uma sentença e daquele filme cafona dos anos 80, Viver e Morrer em L.A. Em Possuídos, um de seus últimos trabalhos, me impressiona aquela atmosfera de tensão em um ambiente claustrofóbico. E não nos esqueçamos, em Possuídos tínhamos Ashley Judd. Opa! Então, quase que de supetão, abandono o filme, e me permito ser arrebatado pelos grossos lábios de Gina Gershon. Fico rememorando a sua belíssima entrada em cena. A origem do mundo bem na cara de Emile Hircsh. Ainda que a bela Juno Temple inspire os instintos mais afetivos e protetores, Gina é a razão de meus aplausos.

Foi o suficiente para me deixar devanear pelas melhores primeiras cenas femininas da história do cinema. Sonhei com Nicole em De olhos bem fechados, vibrei com Scarlet, em Encontros e desencontros. Nesses momentos, aqueles minutos de bunda quadrada na poltrona parecem valer à pena. Acho que nunca soube o que é o cinema de fato, mas provavelmente seu verdadeiro sentido deve estar escondido por debaixo do espartilho de Claudia Cardinale em Era uma vez no oeste. Isso, nem mesmo o gosto de frango frito com molho barbecue consegue estragar.

Roberto Souza Leão, vulgo Cersosimo

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

DO ESTÁCIO À NOVA IORQUE E VICE E VERSA

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Qual a relação entre o bairro do Estácio no Rio e Nova Iorque? Nenhuma, ou todas aquelas que a gente inventa. Na sexta passada fui assistir ao filme A Dama do Estácio de Eduardo Ades e de certa forma esbarrei na “grande maçã” no caminho do cinema. Sem ingresso para o filme e desolado pela própria estupidez dos que não conseguem ingresso, me encaminhei para a única alternativa, beber uns copos. Na solidão da encruzilhada entre os bares próximos ao Baile Charme e ao Teatro Rival, com os fãs de Death Metal, decidi ir até o Amarelinho na esperança de encontrar algum rosto amigo para repousar a frustração de não poder ver o filme.

Eis que lá encontro um casal de amigos que acabavam de descobrir que iriam passar um ano em Nova Iorque. Brindamos eufóricos o máximo de vinho possível e enquanto cantávamos New York, New York em trio desafinado, tomei coragem para tentar a sorte por ingresso na porta do cinema. Me despedi com ares de Fred Astaire tropical e saí em direção ao cinema entoando a estrofe da canção como um Frank Sinatra tísico. E como diz a canção - eu e meus sapatos vagabundos estão aqui para ficar! Surrupiei uns ingressos da produção do filme e me juntei à turba na porta do Odeon.

De resto posso dizer de imediato que o filme do Eduardo Ades é muito bonito. E ainda embalado na comparação esdrúxula entre o bairro carioca e a metrópole americana, me lembrei da imagem que um escritor uma vez cunhou ao chegar em Mahattan de navio, a de como seriam as ruínas daqueles arranha-céus daqui a mil anos. Bom, posso dizer que em relação ao Estácio pude experimentar suas ruínas marcadas no corpo e na luz projetada na tela. O filme A Dama do Estácio é uma elucubração sobre o que teria acontecido com a personagem Zulmira do filme A Falecida de Leon Hirszman realizado em 1965. Este é o primeiro filme da Fernanda Montenegro e ela está lá de volta mais uma vez encarnando a Zulmira. A potência da atriz, da personagem quase cinquenta anos depois é impressionante. A voz, o movimento do seu corpo no quadro, as rugas no rosto, a mesma obsessão pela morte, marcam a passagem do tempo, mas ainda é possível vislumbrar um passado. Há ali na tela o filme do Leon, mas também o filme do Ades, há a mesma atriz que já não é mais a mesma e uma cidade que também já é outra. É neste espaço nebuloso, entre os tempos idos e o presente, que o filme habita. O próprio filme funciona como ruínas de um filme, de uma atriz, de uma cidade, com toda a potência poética e reflexiva que as ruínas nos trazem para pensar o presente. E claro, o filme não deixa de ser uma celebração do cinema, de uma atriz e do bairro do Estácio – um certo modo de ser carioca.

Às favas Nova Iorque, fico com o Estácio onde os personagens do cinema de outrora ainda podem viver seus desejos mais loucos.

Roberto Robalinho

Link para trailer do filme A Dama do Estácio: http://vimeo.com/48777089

domingo, 30 de setembro de 2012

A VERDADEIRA CINEFILIA

 
João da Luz, ou apenas luz para os amigos, sofria de um mal intermitente. De tempos e tempos sentia uma vontade incontrolável de ir ao cinema. Não sabia bem porque, mas o fato é que o falo, o seu é claro, só ficava duro no cinema.

Talvez isso tivesse uma origem distante na infância quando sua mãe o levava ao cinema toda segunda a tarde.  Lembrava do calor modorrento do subúrbio e os conselhos da mãe antes de cada sessão – não ponha todos os caramelos na boca, se não engasga. Me espere na saída, tenho um assunto a tratar e talvez atrase. E não esqueça, se teu pai perguntar, assisti ao filme ao seu lado. E dito isso, sumia na convulsão da rua enquanto ficava a imaginar o seu paradeiro. E assim, a tarde no Cine Marajá se misturava as vedetes do cinema e a uma angústia dos sumiços temporários da mãe.  Rita Hayworth acendia um cigarro lânguido enquanto sua mãe sumia na multidão, e as pernas da Virginia Lane cruzavam sobre o seu olhar de despedida.

Na adolescência já tinha tomado gosto pelas escapadelas matutinas cinematográficas e, sem que a mãe o levasse, sempre arranjava tempo para uma sessão ou outra. Era um refúgio da vida besta em que por um breve tempo podia ser tomado por grandes aventuras.  Sentia que era verdadeiramente possuído pelo cinema e que só recuperava seu verdadeiro e medíocre eu alguns minutos após a sessão. Caminhava pela zona norte como um herói capaz de vencer os infortúnios do mundo, até que lentamente o mundo ia entrando de volta ao corpo e a realidade ia se impregnando à pele.

Foi em uma sessão dessas que viu seu primeiro par de seios. E de novo, como no caso da mãe, essa lembrança se misturava a luz refletida na tela, e talvez, na aparição das tetas, teve o presságio de sua condição. Esperava na sua cadeira entre uma sessão e outra quando a moça que arrumava a sala se curvou na fileira da frente para catar algum resto. E ali, emoldurada pela tela ao fundo, conectando de alguma maneira os dois mundo, tela e sala, um botão aberto revelava o seio róseo, primeiro um e depois o outro. Passou um tempo vendo o filme em duas sessões, interligadas por aparições momentâneas de seios. Percebeu que ali, nesse vão entre a tela e a sala, havia uma fonte inesgotável de pulsações. E começou a procurar mais do que seios e logo foi percebendo em outros cinemas, outras sessões, outros bairros, mãos, pés, pernas, bocas, bundas, até que um dia seu corpo foi de encontro a outro, e sua língua pode tocar o céu da boca de outra mulher. Um passo para que o pau pudesse enfim viver a glória rápida dos virgens e se dessacralizar no espaço sagrado de uma vagina. Depois daquele filme nunca mais foi o mesmo, e sentiu que a possessão comum após o cinema perdurou durante um bom tempo, de forma que parte do herói ficava guardado dentro de si.

Hoje vive essa busca, de cinema em cinema, filme em filme, por uma mulher inteira que dê um sentido total a sua existência. Seria sua última sessão de cinema,  e quiçá da vida. Sua vida amorosa se resume a esses fragmentos de filmes, e de mulheres, cada um encravado em algum lugar de seu corpo, tatuagens luminosas de gozos, paixões, desilusões e amores. Sua vida foi uma genealogia cinematográfica sexual e sentimental - no Roxy amou perdidamente, no Palácio pode ser um verdadeiro canalha, no Métro experimentou longos anos de uma paixão platônica, no Imperator o primeiro amor, no Veneza a primeira desilusão. Enfim, de fotograma em fotograma, fez-se homem.

Roberto Robalinho

FUGA DO RYO DE JANEYRO


Desvirginar no Festival com Spike Lee e John Carpenter em NY, oh yeah! E fuga é um tema recorrente nos 'Verão em Red Hook' e 'Fuga de Nova York'. Flik Royale, o garotinho moicano do filme do Spike Lee já chega no Brooklyn querendo partir. Um dos personagens ainda acha estranho que o pastor, avô do Flik, tenha vindo do sul para NY, cidade cada vez mais cara. E cá penso, olhando para meu comprovante de 18 reais do ingresso, que Ryo de Janeyro tá pra lá da ponte do Brooklyn. E o Verão de Spike segue agradavelmente Lee, muito mais leve que esse outono invernal carioca, quando... putz! Não vou falar, vejam. Se não agora, quando estrear no circuito comercial.

Saí atordoado do filme, com sede de algo mais leve, mais fofo, pra abrandar os corações. E, oras, na falta de Chuck Norris, nada mais calmante do que Snake Plissken dando porrada!
Por sorte, encontrei o Ursinho Ted na saída do cinema. Coincidência das boas, teria companhia. Sei que dá dó gastar uma inteira naquela meia-sala do Botafogo 3, mas caramba!, trata-se de um dos meus ícones adolescentes televisivos. Entramos na saleta quase meia-noite e o Ted já solta: 'Dá só uma sacada: só tem punheteiro nerd!'. Concordei meneando a cabeça acompanhada de uma coçadela inconsciente do saco.

Agora, o que fugiu mesmo nas duas sessões foi o som. Snake sibiliva. Poxa, o Guia é de Cego mas nem o Ted conseguia escutar. E a telinha da saleta, naquela exibição escura de DVD, tornava a Nova York sitiada grandiosa da minha memória menor que a Ilha Fiscal.  Nisso, olho para o lado. Ted estava... estava... se masturbando feito mulher? 'Que foi?', Ted bradou mais alto que o The Duke, 'nunca viu um eunuco de pelúcia tirar uma bronha?'. Ergo os ombros inocentemente. E Ted me segreda no ouvido: 'Esse Kurt Russel até que tem uma bunda gostosa, hein!'. Olhei no fundo dos olhos de plástico de Ted: resplandeciam sinceridade. Foquei então no decote grande angular de Adrienne Barbeau, que fez cabelo e bigode da minha libido, e pensava: Flik Royale é mais marrento que Snake Plissken e Neymar juntos.

Lobo Mauro


sábado, 29 de setembro de 2012

NÃO EDITORIAL 2

O trança-pés desenfreado da Rua Voluntários da Pátria não deixa dúvidas: é tempo de Festival de Cinema no Rio de Janeiro. E com ele, um frenesi toma conta da cidade, todos em busca do melhor filme de todos os tempos da última semana. Para você que não sabe o que assistir nesse emaranhado de filmes, o blog Guia de Cego vai ajudá-lo a permanecer na dúvida. Após um ano de interregno, os quatro cronistas mais improváveis do Rio de Janeiro estão de volta para breves relatos sobre filmes e tudo aquilo que está além deles.

As belas coxas da atriz venezuelana, o acepipe degustado na entrada do cinema ou a estridente gargalhada do careca da segunda fileira. Dos coletivos abarrotados nas idas, ao metrô solitário das voltas. Os temas e cenários das resenhas serão os mais diversos, mas terão como denominador comum o despojamento e bom humor. Mais que assistir ao filme é preciso vivê-lo. Então, ergam vossas bengalas e deixem-se tropeçar nos percalços do caminho.