João da Luz, ou apenas luz
para os amigos, sofria de um mal intermitente. De tempos e tempos sentia uma
vontade incontrolável de ir ao cinema. Não sabia bem porque, mas o fato é que o
falo, o seu é claro, só ficava duro no cinema.
Talvez
isso tivesse uma origem distante na infância quando sua mãe o levava ao cinema
toda segunda a tarde. Lembrava do
calor modorrento do subúrbio e os conselhos da mãe antes de cada sessão – não
ponha todos os caramelos na boca, se não engasga. Me espere na saída, tenho um
assunto a tratar e talvez atrase. E não esqueça, se teu pai perguntar, assisti
ao filme ao seu lado. E dito isso, sumia na convulsão da rua enquanto ficava a
imaginar o seu paradeiro. E assim, a tarde no Cine Marajá se misturava as vedetes
do cinema e a uma angústia dos sumiços temporários da mãe. Rita Hayworth acendia um cigarro lânguido
enquanto sua mãe sumia na multidão, e as pernas da Virginia Lane cruzavam sobre
o seu olhar de despedida.
Na
adolescência já tinha tomado gosto pelas escapadelas matutinas cinematográficas
e, sem que a mãe o levasse, sempre arranjava tempo para uma sessão ou outra.
Era um refúgio da vida besta em que por um breve tempo podia ser tomado por
grandes aventuras. Sentia que era
verdadeiramente possuído pelo cinema e que só recuperava seu verdadeiro e medíocre
eu alguns minutos após a sessão. Caminhava pela zona norte como um herói capaz
de vencer os infortúnios do mundo, até que lentamente o mundo ia entrando de
volta ao corpo e a realidade ia se impregnando à pele.
Foi
em uma sessão dessas que viu seu primeiro par de seios. E de novo, como no caso
da mãe, essa lembrança se misturava a luz refletida na tela, e talvez, na aparição
das tetas, teve o presságio de sua condição. Esperava na sua cadeira entre uma
sessão e outra quando a moça que arrumava a sala se curvou na fileira da frente
para catar algum resto. E ali, emoldurada pela tela ao fundo, conectando de
alguma maneira os dois mundo, tela e sala, um botão aberto revelava o seio róseo,
primeiro um e depois o outro. Passou um tempo vendo o filme em duas sessões,
interligadas por aparições momentâneas de seios. Percebeu que ali, nesse vão
entre a tela e a sala, havia uma fonte inesgotável de pulsações. E começou a
procurar mais do que seios e logo foi percebendo em outros cinemas, outras sessões,
outros bairros, mãos, pés, pernas, bocas, bundas, até que um dia seu corpo foi
de encontro a outro, e sua língua pode tocar o céu da boca de outra mulher. Um
passo para que o pau pudesse enfim viver a glória rápida dos virgens e se dessacralizar
no espaço sagrado de uma vagina. Depois daquele filme nunca mais foi o mesmo, e
sentiu que a possessão comum após o cinema perdurou durante um bom tempo, de
forma que parte do herói ficava guardado dentro de si.
Hoje
vive essa busca, de cinema em cinema, filme em filme, por uma mulher inteira
que dê um sentido total a sua existência. Seria sua última sessão de
cinema, e quiçá da vida. Sua vida
amorosa se resume a esses fragmentos de filmes, e de mulheres, cada um
encravado em algum lugar de seu corpo, tatuagens luminosas de gozos, paixões,
desilusões e amores. Sua vida foi uma genealogia cinematográfica sexual e
sentimental - no Roxy amou perdidamente, no Palácio pode ser um verdadeiro
canalha, no Métro experimentou longos anos de uma paixão platônica, no
Imperator o primeiro amor, no Veneza a primeira desilusão. Enfim, de fotograma
em fotograma, fez-se homem.
Roberto Robalinho