sexta-feira, 1 de outubro de 2010

NEM TODAS AS MÃES SÃO FELIZES


Os domingos da minha infância conheceram uma tradição mais forte do que o Silvio Santos ou a Pizza de Mussarela. A cada melancólico crepúsculo dominical, sabíamos que tinha chegado a hora do indefectível telefonema da minha mãe para minha avó. Um quase religioso dever filial que ela cumpria entre resignada e feliz. E que acho que se mantém até hoje. Mesmo que minha quase centenária e completamente surda avó tenha que adivinhar telepaticamente as perguntas gritadas pela minha mãe do outro lado da linha.
Quando meu telefone tocou no último domingo, intuí todos os cruzamentos simbólicos embutidos naquele telefonema. Como diz um amigo meio doido–meio psiquiatra: “Tudo significa!”. Mas encobrindo as razões rituais e afetivas daquela ligação estava um pedido aparentemente singelo. Minha mãe só queria algumas dicas para o festival. 
O desastre. Eu ia ser desmascarado. Depois de ser bancado pelos meus pais durante anos para concluir um curso de cinema cujo diploma nem serve para tapar buracos na parede, a minha incompetência ia ser exposta. Horas de aula de teoria, linguagem e história cinematográfica. Milhares de reais gastos em ingressos de filmes obscuros. E eu não era capaz de indicar um filme!?
Diante do pânico daquele momento tentei jogar no seguro. Um pouco evasivo indiquei um filme sobre o Gainsbourg que sei que minha mãe gosta. Mas ainda assim meu fracasso gritava diante de mim. Decidi suprir minhas lacunas cinéfilas assistindo ao filme mais ousado, mais antenado da programação do dia.
Foi então que surgiu. Kaboom. A bomba do meu festival.
Meu erro foi fechar os olhos para os sinais do que estava por vir. Apesar de topar na entrada com uma dúzia de adolescentes mais excitados do que fila do show do Fresno, insisti. O resultado disso já ficou claro nos planos iniciais. O filme abre com um guri sexualmente confuso mergulhado em uma fantasia erótica com um surfista débil mental. E por aí vai. A sensação é a de assistir a Malhação numa versão Playboy TV.
E isso certamente não é o pior. Sexo em geral é bom. Pelo menos distrai. O que faz sofrer é acompanhar um enredo que parece saído de uma partida de RPG jogada por adolescentes oligofrênicos. Costumo ser contra qualquer censura. Mas esse manifesto da confusão hormonal merecia a advertência de “Proibido para maiores”.
Na saída do cinema passo por senhorinhas que balançam as cabeças em desabono. Devem ter filhos tão desastrados quanto eu. 
Já do lado de fora, todos os amigos inteligentes chegam para a sessão de um filme costa-riquenho que parece lindo e que eu naturalmente ignorava. Minha incompetência exposta.
A única coisa que me resta fazer é passar o telefone deles para a minha mãe. 

Aurélio Aragão

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